quinta-feira, 3 de maio de 2012

Vida Tão Estranha



Pego nesta música que adoro para reflectir hoje, em que a morte voltou a sair à rua. Desta vez foi o pai de um colega superior no trabalho. Um septuagenário do qual, confesso, não me recordo a cara, que sucumbiu dessa doença ingrata.

Não estou a ver a cara do senhor, mas estou a ver a cara da mulher (a quem uma tia minha, às portas da morte disse: "cuida deles", referindo-se ao marido e ao filho que deixava sozinho). Estou a ver a cara do filho (que engoliu com uma firmeza que, confesso, admirei, a dor de ver descer à terra quem lhe deu vida e de ajudar a levar a última cama onde ele se deitou. O punho que não segurava o caixão ia fechado, a fechar aquela que é certamente uma das maiores dores do mundo. Estou a ver as duas irmãs.

E estou a ver, sobretudo a terra de onde ele(s) são. Os Netos. Terra de gente humilde e de gente de bom coração. Terra que, felizmente, vai renascendo com sangue novo. Que alegria. Os Netos que viram também nascer o meu pai. Onde viveram os meus avós paternos que não conheci. E a minha bisavô Maria José que adorava ter conhecido.

Foram os descendentes desta bela terra que acompanharam o defunto até à sua última morada. Das gavetas de onde toravam os calções e as fisgas para se acompanharem uns aos outros nas brincadeiras de uma vida, tiraram hoje gravatas pretas.

As cabeças outrora cheias de cabelos rabinos ou cobertas de mitras, estão hoje calvas. Nos olhos vê-se o brilho de Homens de trabalho, gente da Terra. Das bocas sai um "é assim a vida", típico deste ritual que, mais uma vez digo, é do mais atroz que pode haver.

E assim vamos nós, mais ou menos conhecidos, mais ou menos chegados fazer aquela que acreditamos ser e queremos que seja uma muito breve e pessoal homenagem a vidas cheias, que são assm tolhidas.

Reflectindo que, de facto, não fica cá ninguém para contar a história. Pensando que não mais repetiremos os erros que vamos cometendo e que "é hoje" que me vou mudar aqui e ali. Sabendo que também nós, um dia, teremos este destino. E tendo fé de que, aos nossos, àqueles que são do nosso sangue e/ou que nos são verdadeiramente queridos, isso nunca, jamais aconteça.

É assim, o mistério da vida...

P.S.: Pode parecer meio sombrio este dizer todo, mas é porventura a minha maneira de anxotar os medos

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