segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Maria da Encarnação Freire Nogueira


Fez ontem 16 anos que nos deixaste, avó. Dezasseis...

E o tempo faz destas coisas: faz com que a lembrança te vá deixando cada vez mais lá atrás e com que já nem me consiga lembrar do som da tua voz; mas faz também com que, cá dentro do coração, a tua inspiradora e humilde maneira de ser me dê características das quais me orgulho.

Acho que o bem mais precioso que me deixaste foi a resiliência, palavra tão na moda hoje em dia, mas que em tempos antigos sentiste bem na pele: aguentar (aparentemente) firme o que a vida te reservou. E não foram coisas boas. Mas soubeste fazer delas algo inspirador.

Continuo a beber "o teu" café Mokambo (a lareira matinal domingueira é tão feliz), "o teu" chá, a repetir "os teus" ditados. A fritar "as tuas" batatas às rodelas, ao lume. A explorar o crochet que me ensinaste e que tantas vezes de vi fazer, malha após malha (sem entender na altura que, talvez mais do que um gosto, "aquilo" era o teu escape). A chorar-te de quando em vez. E a lembrar-me assiduamente de ti.

Ontem, à beira de casa, olhei para a tua (que já não é verde e vermelha fosca). E voltei a ver-me a ir pelo carreirito abaixo, com a roupa dentro de sacos de plástico para passar as férias contigo. Continuo a ver-me, com idade pequenina, em cima do banco, a ajudar-te a lavar a loiça. A lembrar o colorau que não faltava dentro do teu armário. A sentir o sabor do caldo de bacalhau com arroz e batatas às rodelas. Sabes que é umas das minhas comidas preferidas? Mas em vez da batata, o ovo escalfado não pode faltar. E a lembrar do quentinho dos teus lençóis de flanela. E do calor da tua alma.

Lembras-te do teu relógio azul, ao qual davas corda todos os dias, como se te enchesse de fé interior? Está embrulhadinho e tão pertinho de ter vida novamente! Tão perto.

Estás, e vais continuar a estar, sempre comigo.

Obrigada pelo ninho que foste para mim. Parte de mim és tu.

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"Há 100 anos, João Pina de Morais, um jovem oficial do corpo expedicionário português, lutava nas trincheiras da Flandres. Entre abril de 1917 e junho de 1918, em plena 1ª Guerra Mundial, o jovem Tenente escreveu um diário em forma de cartas a Lídia da Assunção Monteiro, com quem viria a casar cinco anos mais tarde." Escutar aqui


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