quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

These boots are made for...?



De tudo, o que eu tenho mesmo, mas mesmo pena é de não ter conseguido cativar (essa é a palavra) - CA-TI-VAR - ninguém que calce o outro par da bota. Que navegue 90% das vezes na mesma onda que eu. Que tenha um colo quente para o qual me chame, quer tenha tido um dia impecável, quer acabe a jornada a sentir-me um lixo. A quem apetece adormecer a comer pipocas, sem se preocupar em lavar os dentes. "É só hoje". Que acompanhe o agradável silêncio de Domingo de manhã, o bebericar de um café feito em casa, os malabarismos do gato XS, do gato M e da gata L. Que assista à confeção de uma nutritiva sopa de legumes ou que ajude a fazer um bolo de laranja. Que ocupe a segunda pia do lava-loiças e enxague os tachos para o escorredor. Que confira: "É um sinal que tenho aí no fundo das minhas costas?" ou "Tenho algum resto de pastel de nata nos dentes?!". Que diga: "És uma miúda muito boa onda e eu gosto muito de ti". Alguém que chore a mesma lágrima que eu, que ria da mesma piada. Em quem eu pense quando me cruzar com a pessoa mais mal educada ao longo do dia e alguém que pense em mim quando precisar de desabafar sobre o bruto do patrão que o mandou bugiar.

Chega a doer, por vezes. Imaginar estas coisas todas, que se querem muito, que se desejam e com as quais se sonha, dia sim, dia sim. Mas que só existem mesmo nesse mundo imaginário que é o dos nossos sonhos, dos nossos desejos, dos nossos pensamentos. É verdade. É uma dor psicológica. Às vezes, a maior parte delas, suporta-se relativamente bem. Há trabalho e vão havendo distrações capazes de diluir, alguns instantes aqui, outros instantes acolá. Mas outras vezes é uma tarefa hercúlea, perante a qual se sucumbe.

Chega uma altura que farta inventar caminhos mais longos para chegar a casa. "Em vez de virar à direita, viro à esquerda, vou à rotunda e entro ali."

Chega de ver pessoas estranhas na minha lareira. De querer conversar quando mais ninguém quer. De preferir desligar a televisão ou ouvir a telefonia enquanto se almoça. Chega, caraças.

Não me apetece gastar mais dinheiro em roupa que não preciso, nem em sapatos que tenho de sobra, nem em objectos utilitários e/ ou para ornamentar uma casa que é também só nos meus sonhos que existe. Só porque tais actos fúteis representam estar menos tempo em casa e, por breves instantes, acreditar que vivo feliz. É deprimente o meu quarto atulhado.

Como uma faca de dois gumes: é um recanto onde não quero que ninguém entre e de onde desespero por sair.

Frases feitas e pseudo-construtivas como "Quando menos esperares..." ou "Não é porque não tem que ser..." 'Tá bem 'tá, lixo com elas. São horríveis de ouvir. Não preciso que tenham pena. Que imaginem uma trintonazinha a caminhar para tia, que, a dada altura, "vai ter" de se entregar a alguém só porque sim.

Não quero um conto de fadas, não procuro nenhum príncipe. Queria só um pedacinho de amor.


...


Já tinha dado este post por terminado, mas não posso deixar de lhe fazer um acrescento. É que estava a espreitar o FB e dou de caras com esta imagem. Não pude deixar também de notar a palavra que está rodeada... E também não posso deixar de referir que, não tendo aos presentes 32 anos lido na íntegra a obra da qual foi retirado este excerto, fui anteontem buscá-la emprestada à Biblioteca e estou a lê-la. Há coincidências e coincidências...

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