segunda-feira, 18 de maio de 2015

Preciosidades


"Ainda bem
que não morri de todas as vezes que
quis morrer - que não saltei da ponte,
nem enchi os pulsos de sangue, nem
me deitei à linha, lá longe. Ainda bem

que não atei a corda à viga do tecto, nem
comprei na farmácia, com receita fingida,
uma dose de sono eterno. Ainda bem

que tive medo: das facas, das alturas, mas
sobretudo de não morrer completamente
e ficar para aí - ainda mais perdida do que
antes - a olhar sem ver. Ainda bem

que o tecto foi sempre demasiado alto e
eu ridiculamente pequena para a morte.

Se tivesse morrido de uma dessas vezes,
não ouviria agora a tua voz a chamar-me,
enquanto escrevo este poema, que pode
não parecer - mas é - um poema de amor."


"(...) Nos dias tristes fala-se sozinho
e há sempre uma ave que pousa
no cimo das coisas
em vez de nos pousar no coração
e não fala connosco."


in «A cidade líquida e outras texturas» - Deriva Editores, Porto/2006

@ Delito de Opinião

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