sexta-feira, 23 de junho de 2017

Vagares


Cada vez mais, gosto de coisas vagarosas. De reduzir para 3ª, de falar mais baixo, de falar menos, de fechar a janela sobre o mundo e de abrir mais os olhos para ele. Talvez seja da idade. Talvez da voracidade do Mundo. Talvez por ambos os motivos e por outros tantos.

A propósito, as rubricas "Fio da Meada" e "Sinais", emitidas respectivamente na Antena 1 e na TSF, são duas das coisas mais bonitas que tenho ouvido nos últimos tempos. Autêntica poesia radiofónica. Poesia que é bonita na forma como se diz e em todo o conteúdo que têm dentro. A de hoje, no primeiro caso, soou-me "especialmente especial", passo a redundância. Por falar nos incêndios, um tema tão tristemente actual (que, esperamos quase todos, não morra para só renascer no próximo ano...), por falar de uma terra mesmo aqui ao lado e por falar da infância e de memórias comuns.

Por opção própria, tenho a felicidade de continuar a viver na terra que me viu nascer. Por, agora com pés de mulher, percorrer as mesmas ruas por onde andava em menina. Por ir ao mesmo cabeleireiro onde, em criança, entrava sozinha com um papel na mão, onde estava escrito que era para me cortarem o cabelo. Por entrar em algumas lojas que existiam há 20, 25 e 30 anos. Por sentir a mesma brisa, por acariciar os "mesmos" gatos e cães. Por tirar as ervas da mesma terra.

A Alexandra Lucas Coelho nunca mais lá voltou. Eu fui voltando sempre. E, desde há largos meses, é raro querer sair.

"Lembro-me do silêncio nas varandas, no fundo da serra, à noite, vendo aquele horror que eram as chamas na encosta. Para onde iam? Para onde soprava o vento? (...) o coração dos avós disparando (...) aquelas árvores, aquela paisagem era a nossa vida (...) como um castigo que coubesse aos penitentes, naquelas terras de pedir perdão pelos pecados (...) falsas florestas, para não ter lá gente e feitas porque não têm lá gente (...)"

Na vizinhança dos locais onde o Inferno desceu à terra, pudemos ver e ouvir o desenrolar dos acontecimentos, pudemos cheirar o queimado e o fumo, observar os aviões, os helicópteros e demais veículos de emergência que passaram "para aqueles lados", de ouvir as sirene e todo o rebuliço.

Acima de tudo, espero que Todos percebam que temos uma sorte do tamanho do Mundo. Saibamos aproveitá-la. E, em acções individuais e em grupo, que possamos fazer do Mundo um lugar melhor. Dia após dia.

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